Como o stress afeta a Saúde Menstrual
Published on Março 2, 2023
Quando falamos da razão pela qual o stress nos faz adoecer e incide negativamente sobre o ciclo menstrual, temos que explicar o que entendemos por stress e como é que ele interage com todos os nossos órgãos e sistemas. Prepara um cházinho e senta-te confortavelmente porque vamos começar pelo sistema nervoso.
Preparada?
Portanto, o sistema nervoso autónomo é assim chamado porque em teoria funciona por si só (na verdade, isto é uma simplificação, mas adiante). Regula as funções das vísceras e órgãos sem precisar de ser comandado, ao contrário, por exemplo, do sistema nervoso periférico com nervos que inervam os músculos para os fazer mover e sentir.
Assim, o ritmo cardíaco, o funcionamento do sistema digestivo e respiratório, etc, são todos regulados pelo sistema nervoso autónomo. Que por conveniência é classificado em 2 ramos: simpático e parassimpático. Estes termos não tem nada a ver com “simpatia” no sentido comum.
O ramo simpático mantém a tonicidade do corpo necessária para evitar que se torne numa gelatina, pelo que precisamos dele para nos movermos e agirmos, e é o protagonista principal em reações de luta ou fuga. Ou seja, quando confrontado com perigo ou um estímulo aversivo de qualquer tipo, o ramo simpático do sistema nervoso desencadeia reacções em que ou nos defendemos ativamente ou então fugimos, e obviamente isto implica uma série de alterações às funções viscerais normais: aumento do ritmo cardíaco, dilatação da pupila, contracção dos músculos, subida da adrenalina, diminuição da dor física, aumento da função imunitária, etc.
O parassimpático, por outro lado, rege principalmente as funções do corpo em repouso, ou seja, digestão, excreção, sono, reprodução.
Então é evidente que não é preto e branco, e que os dois ramos estão sempre em sinergia. Por exemplo, no sexo, ambos estão em função: é necessária uma tonicidade corporal suficiente, e são necessárias reacções de activação simpáticas (aumento do batimento cardíaco, etc.) mas também é necessária uma sensação suficiente de segurança e relaxamento para se poder avançar.
Dito isto, toda a nossa fisiologia funciona desta forma, com activação/relaxamento em constante fluxo e (idealmente) harmonia.
Mas o que acontece se, por exemplo, houver um acontecimento traumático na nossa vida, ou mais de um? Com o termo “acontecimento traumático” podemos não nos referir exclusivamente a episódios concretos e agudos (como um episódio violento ou um acidente) mas também a situações crónicas como por exemplo o padrão emocional da nossa família. O corpo não compreende nada sobre a modernidade. O corpo não sabe o que é uma família, ou um emprego, ou um carro, ou uma casa, ou contas a pagar. Compreende apenas um conceito: sobrevivência. No máximo, sobrevivência e reprodução. Mas a reprodução, como diz o biólogo Salpolski, é uma “actividade optimista” que só nos podemos permitir se a sobrevivência não estiver em questão. E o que é que regula a nossa reprodução enquanto mulheres? O ciclo menstrual! Assim, qualquer estímulo adverso é interpretado à luz deste prisma: é uma ameaça à sobrevivência e deve ser tratado como tal. Na sua essência, todos os seres vivos estão sujeitos a acontecimentos traumáticos. E nem todos esses eventos deixam a pessoa psicologicamente disfuncional, porque temos numerosos mecanismos de protecção. Nos animais, a energia traumática é imediatamente descarregada fisicamente: as gazelas voltam a trotar calmamente depois de fugirem de uma perseguição, porque imediatamente a seguir têm reacções de descarga, que são amplamente observadas pelos etologistas.
Nós humanos, nem sempre (na verdade quase nunca), descarregamos. Preferimos nos dissociar, fragmentando a experiência em várias peças que podemos varrer para debaixo do tapete, e continuamos. Debaixo do tapete significa dentro do corpo. É o corpo que transporta toda a energia traumática até encontrar uma forma de a descarregar, mas é uma tarefa muito difícil porque há muito que perdemos a capacidade de sentir as emoções. Quando chega uma emoção, em vez de nos limitarmos a sentir o corpo (coração assim, estômago assado, isto treme, isto dói) e deixá-lo fazer o seu trabalho, começamos a pensar (“a minha vida é um fracasso”, “oh meu Deus o que é que fiz”, etc.). Pensamos as emoções em vez de as sentirmos. E o corpo não tem forma de falar, porque muitas das coisas de que gostaria de se livrar não pertencem a memórias conscientes, mas a memórias de fases pré-verbais das nossas vidas, são memórias não declarativas, puramente somáticas, que são empilhadas em cima de memórias mais recentes, de eventos traumáticos recordados, e muito mais. Por vezes faz isto através de sintomas e doenças, o que é um pouco como vapor a escapar da válvula da panela de pressão.
Para além da dissociação, também trazemos frequentemente padrões de congelamento. De facto, o congelamento é a terceira via, após a luta ou fuga. Morte aparente em animais, colapso, imobilidade tónica. O terror paralisa-nos e de um pico de activação simpática mergulhamos na parassimpática total, entrando em colapso e preparando-nos para uma morte sem dor. Mais uma vez, isto acontece frequentemente a outros níveis, e não apenas a ameaças físicas, por isso, por exemplo, congelamos num ambiente familiar disfuncional ou noutras situações até não-fisicamente perigosas.
Assim, voltando ao fluxo alternado saudável simpático/parassimpático, quando a energia traumática não é descarregada (e isto é muito comum), este fluxo é perturbado e fica “preso” quer na activação simpática (tensão muscular, hipervigilância crónica, prontidão para lutar ou fugir do contexto, até chegar aos extremos do stress pós-traumático que vemos nos filmes sobre veteranos de guerra, por exemplo), ou no congelamento, que pode ser ou tensão permanente (músculos em corda, tendencia à prontidão) ou colapso (postura corporal de derrota, pouca energia física). Mas não são alternativas mutuamente exclusivas, pelo contrário, são frequentemente misturadas, vivendo juntas, ou alternando de uma forma que não é suave, mas abrupta, irregular.
Qualquer que seja a fase em que estejamos “presas”, o simples facto de estarmos presas, mata-nos lentamente. Mesmo o congelamento num estado de tensão latente, ou em colapso, ou viver permanentemente dissociadas do corpo, são formas de morrer no interior como forma de defesa contra esses sentimentos oceânicos que não somos capazes de conter.
Como referia há pouco, o corpo interpreta todos estes sinais como ameaça direta à vida. Todos os nossos recursos orgânicos são então destinados à sobrevivência, à custa de funções “acessórias” típicas do parassimpático, como por exemplo a reprodução (e o sono, e a digestão, já agora). E portanto, é como se houvesse uma decisão central, tomada provavelmente pelo hipotálamo, o “big boss” do eixo hormonal, de fechar o sistema. Anulando a ovulação, ou tornando-a mais difícil. Porque em contexto de sobrevivência, na lógica do corpo, há que eliminar ou reduzir as hipóteses de engravidar! Outro mecanismo de reduzir estas hipóteses, é o de anular a nossa libido!
Tudo o que escrevi até aqui é apenas um dos mecanismos pelos quais o stress nos pode afetar gravemente a saúde menstrual, e não só menstrual.
Que fazer então? É essencial procurar ajuda de psicoterapeutas competentes que nos possam ajudar e orientar. Possivelmente que tenham abordagens somáticas e não exclusivamente cognitivas: é muito bom perceber de onde vem os nossos bloqueios e os nossos traumas, mas pensar não é suficiente. Temos que deixar o corpo livrar-se daquilo que anseia descarregar. Mas não subestimar a importância de tomar conta da nossa dimensão de conforto e bem-estar físico. Por exemplo, cuidar da nossa nutrição tem um impacto enorme na dimensão emocional. Uma glicemia desregulada, um padrão alimentar errático, falta de micronutrientes, são todos ingredientes clássicos que contribuem a perpetuar o ciclo do stress.
A hipervigilância salva as nossas vidas em certos contextos. Mas quando a vida não está em risco imediato, manter um padrão de hipervigilância crónica implica um desgaste metabólico muito elevado que, a longo prazo, nos consome, em vez de nos salvar.
Qualquer que seja a fase em que estejamos “presas”, o simples facto de estarmos presas, mata-nos lentamente. Mesmo o congelamento num estado de tensão latente, ou em colapso, ou viver permanentemente dissociadas do corpo, são formas de morrer no interior como forma de defesa contra esses sentimentos oceânicos que não somos capazes de conter.
Como referia há pouco, o corpo interpreta todos estes sinais como ameaça direta à vida. Todos os nossos recursos orgânicos são então destinados à sobrevivência, à custa de funções “acessórias” típicas do parassimpático, como por exemplo a reprodução (e o sono, e a digestão, já agora). E portanto, é como se houvesse uma decisão central, tomada provavelmente pelo hipotálamo, o “big boss” do eixo hormonal, de fechar o sistema. Anulando a ovulação, ou tornando-a mais difícil. Porque em contexto de sobrevivência, na lógica do corpo, há que eliminar ou reduzir as hipóteses de engravidar! Outro mecanismo de reduzir estas hipóteses, é o de anular a nossa libido!
Tudo o que escrevi até aqui é apenas um dos mecanismos pelos quais o stress nos pode afetar gravemente a saúde menstrual, e não só menstrual.
Que fazer então? É essencial procurar ajuda de psicoterapeutas competentes que nos possam ajudar e orientar. Possivelmente que tenham abordagens somáticas e não exclusivamente cognitivas: é muito bom perceber de onde vem os nossos bloqueios e os nossos traumas, mas pensar não é suficiente. Temos que deixar o corpo livrar-se daquilo que anseia descarregar. Mas não subestimar a importância de tomar conta da nossa dimensão de conforto e bem-estar físico. Por exemplo, cuidar da nossa nutrição tem um impacto enorme na dimensão emocional. Uma glicemia desregulada, um padrão alimentar errático, falta de micronutrientes, são todos ingredientes clássicos que contribuem a perpetuar o ciclo do stress.
Portanto, amparar o emocional significa amparar também o somático. Infelizmente a nossa cultura de dualismo opositivo gosta de separar corpo e emoções, e isto faz que por um lado, a psicologia esqueça ou tenda a esquecer o papel da fisiologia, como se uma pessoa em terapia só existisse enquanto “psique” e não enquanto corpo. E por outro lado, faz que a medicina esqueça o papel da psicologia, e portanto seja ainda bastante cega perante o enorme peso das emoções na saúde.
Compete-nos a nós relembrar a nossa unidade inseparável e abordar qualquer processo de cura como algo completo e orgânico.
por Antonella Vignati
Escola de Saúde Integral de Mulher